Alguém, pelo amor de Deus, precisa imaginar o Sísifo feliz
Estamos todos aqui rolando a pedrinha ou pedrona pra baixo e pra cima, mas estamos felizes nisso? A resposta, mais contraditória de todas, é que sim.
Pague um sorvete para o seu Sísifo next door
Tenho 29 anos. Um medo indescritível de alturas e baratas gigantes. Amo comer macarrão e minha nova paixão é sanduíche de salame, rúcula e cream cheese. Tenho mais de doze anos de carteira assinada e nunca passei mais do que alguns meses sem trabalhar. Me formei numa Universidade Federal, fiz MBA em outra. Trabalho há seis anos com softwares. Escrevo e tenho 5 romances publicados, sendo um deles por uma editora.
Sim. Rolo a pedra montanha acima há alguns anos.
Escrevo um livro novo, publico, escrevo um novo.
Entro em uma multinacional, sou demitida, entro em outra.
Corro 5 km, fico um tempo sem correr, corro 6 km.
Tenho um episódio depressivo, me trato, outro episódio aparece.
A minha pedra, ora grande, ora maior ainda, segue seu fluxo. Ou melhor, eu faço ela seguir o fluxo. Estou presa a essa mecânica, avulsa aos desejos e é a compreensão dela que me liberta (sou livre, mas a que custo?).
Minha vida é repleta de absurdos e, quando você comprar minha coletânea de contos Garganta que em breve será lançada, você vai entender muitos deles, narrados através da minha escrita mais autobiográfica que encerra meus 20 anos (de boy, that's over baby). Encontro, nesse agridoce ato de ternura tóxica que se chama escrever, um alívio. Movimentar minha pedra do romance, do conto e do ensaio me faz ter vontade de viver e não de sobreviver.
Essa é a minha terapia, se pudermos falar usando a língua do instagram dos Millennials que postam foto de sua terapia e geralmente é a foto de um crossfit ou um cachorro lulu da pomerânia. Esse é o gancho enfiado entre as minhas costelas é o que segura minha vida sobre a esteira de moedor de carne. Este torso cansado, sustenido pelo desejo de viver, é o que me resta. É o que sou.
Yamero kudasai, Camus-senpai!
Se você leu até aqui sem conhecer o boleiro, mulherengo, pudim de cachaça e também jornalista da ressistência francesa Camus, trago um adendo ao Absurdo, pelos olhos dele: a o absurdo da existência humana sugere que a busca por significado em um universo indiferente é como procurar água em um deserto, simplesmente não existe. Só há a ideia dela. Se a vida é um absurdo, então a única resposta é abraçar o absurdo com um sorriso cínico torto à la protagonista moreno misterioso e uma dose generosa de ironia e cachaça.
Sendo assim, voltei a praticar guitarra.
Temos uma aqui em casa, escorada junto com a bicicleta ergométrica e outros hobbies, então por que não? Encontro liberdade na consciência de que sempre vou levar pedras para o topo, por que não levar um instrumento de cordas?
Uma das músicas que estou tocando é o cânone Zombie dos Cranberries. Foi a primeira música que cantei e toquei em público em algum shopping em algum mês em alguma cidade no interior de Minas Gerais nos meados de 2011. Longa história. Ouvir e tocar essa música de novo, depois de muitos anos foi uma alegria. Ainda sou rebelde, mesmo sem jeans rasgados e minha camiseta do Korn. Ainda sou eu. Ainda habito em mim.
Afinal, não posso ficar aqui parada olhando para o nada, contemplando o significado da vida (também conhecido como nada).
Música da semana
History forgets the moderates. O tema hoje é Sisifo, então por que não?
Livro da semana
Mais uma gema da editora Estação Liberdade, esse livro fala sobre esquecimento e memória, além da opressão (dos homens e do tempo). Recomendadíssimo pra quem está louca procurando algo devastador pra ler.
Obrigada por ter lido até aqui! Prometo escrever mais — é sério.